quinta-feira, 30 de abril de 2009

Juke revolucionária III - Intimidades e Identidades

Samuel Mira, mais conhecido por Sam the Kid. Um tipo criado na zona J de Chelas. Uma pessoa especial. Ouçam-no, procurem a sua história. Um revolucionário solitário, como outros que conheço (esta é para ti Forjex!). Daquelas pessoas que nos fazem acreditar que tudo é possível.
Foi difícil escolher um tema dele. Ofereço-vos este, muito pessoal, e transcrevo o que o Samuel escreveu sobre ele:
"Não é fácil alongar-me acerca desta letra, no entanto posso dizer que já a tenho há muitos anos. (...) Quando comecei a escrever, os meus avós - que viviam comigo - ainda eram vivos e eu ainda gravava os álbuns em casa. Por isso é que a parte final da música é uma interrupção às gravações que eu fazia no meu quarto, motivada nas discussões que frequentemente aconteciam, e esta, que está no disco, aconteceu mesmo. O resto fica para mim!"



Não sei se sou um plano ou um acidente com tesão,
Originado com paixão ou com sexo pós discussão,
Na raiz urbanizada na calçada e no alcatrão,
Não te esqueças de onde vens ou és esquecido então,
Eu só ponho uma questão, qual é a razão da minha
origem,
Não te fies na virgem, porque elas fingem e não
dizem,
E caso case ainda te acusam do que trazem,
O ladrão da paz e harmonia fácil empatia,
Com a máxima ironia, omitindo medos,
Paredes têm ouvidos construídos para segredos,
Quando é que tu desabafas?
Depois de 3 garrafas de vinho, ou 20 palavras que eu
não adivinho,
Enquanto a dor ecoa, habituado a que ela doa,
Porque quem amamos mais é quem nos mais magoa,
Ah! Amar e amar, há ir e nunca mais voltar,
Ao lar doce lar até que a morte ou uma traição
separe,
Mentiras omitidas é estranho é quando ocultam cenas,
A paz é singular ou há discussões às dezenas,
Sem qualquer motivo o final nunca é conclusivo,
Apenas um alivio assinado num livro, de onde eu
derivo,
Agora mais vivo, tornei-me no que eu sou,
Dou e recebo e se eu bebo bué é porque saio ao meu
avô,
É hereditário fluxo sanguinário que se transmite,
Ele sai a quem, feio ou bonito podes dar um palpite
que eu não me irrito,
Espaços da casa não ocupados trazem saudades e pensar
nisso é que eu evito,
Eu divido o tempo, na TV noutro evento,
Para não pensar em ti e fazer passar a dor como um
dente,

E toda a gente pergunta, a quem é que ele sai? A quem
ele sai?
Sou má goela porque eu saio ao meu pai,
E toda a gente pergunta, ele sai a quem? Sai a quem?
Se acordo tarde é porque eu saio à minha mãe,

Mas ta-se bem não há beef nunca houve desde novo,
Sem confirmação na comunicação e sem interesse,
Na certeza do amor, com a ausência da razão que eu
desconheço,
Não me convence,
Menciono o plano, de ter o nono ano,
E eu bano o resto eu manifesto-me através do som,
Converso em verso comigo e com o beat,
Com pitt no cubículo onde fico horas sem pressas e sem
demoras eu,
Pareço um ótario operário no meu endereço,
A preço ofereço um corpo solitário preso,
Em posse duma trombose,
Super avozinha fodeu a minha Susana tu chama os
bombeiros,
Mas a vida não para e avança como ponteiros,
Eu contei os anos inteiros até à mudança,
Tolerância cancelada e descansa enfermeiros,
E os primeiros pensamentos são de assumir uma
herança,
Em criança numa casa portuguesa com certeza,
Manca-me debaixo da mesa com a mão presa à cabeça,
A pensar que não aconteça e valesse a pena a batalha,
E eu quebro a cena, tal pai tal filho, tal pai tal
falha,
Não conheço um posto para fazer um juízo,
Porque isto nunca foi penoso isto é o meu paraíso,
E eu economizo ao comunicar isto em concreto,
E eu fico indeciso se eu quero ficar vazio ou
completo,
A mim não me compete fazer a escolha,
Só escolho fragmentos de momentos duma recolha,
De sentimentos, e eu sento e minto se eu disser que
não sinto a tua falta,
Sinto a ausência duma falta de paciência que te
exalta,
Ou exaltava, porque agora silêncio é despertador,
Que desperta humor desperta a dor em mim que eu....
hey pá foda-se

terça-feira, 28 de abril de 2009

E porque jukeboxes há muitas... Overkill



Overkill - Colin Hay (Men at Work)
I cant get to sleep
I think about the implications
Of diving in too deep
And possibly the complications

Especially at night
I worry over situations
I know will be alright
Perhaps its just imagination

Day after day it reappears
Night after night my heartbeat, shows the fear
Ghosts appear and fade away

Alone between the sheets
Only brings exasperation
Its time to walk the streets
Smell the desperation

At least theres pretty lights
And though theres little variation
It nullifies the night
From overkill

Day after day it reappears
Night after night my heartbeat, shows the fear
Ghosts appear and fade away
Come Back Another Day

I cant get to sleep
I think about the implications
Of diving in too deep
And possibly the complications

Especially at night
I worry over situations
I know will be alright
Its just overkill

Day after day it reappears
Night after night my heartbeat, shows the fear
Ghosts appear and fade away

O carro confortável, moderno. Equipado de fábrica com cadeiras para crianças, sensores, GPS. Um sistema de som a rivalizar com as melhores discotecas. Eram amigos de infância. Sentaram-se nos bancos aquecidos. Ele no lugar do condutor. Ela no lugar do pendura. Os Miúdos sentados no banco de trás. Apertaram os cintos e prepararam-se para mais uma viagem até ao Quintal do Zé. Uma rotina que se tinha instalado desde que aquilo tinha acontecido.
A embalar a viagem, que durava pouco mais de meia hora, uma playlist também ela inscrita naquela rotina. Uma viagem pelos anos oitenta, com incursões breves pela música pop mais recente. Das colunas saía o som ensurdecedor dos Queen, Soft Cell ou Cult. Faziam estremecer o carro e silenciavam o diálogo. No banco de trás, os Miúdos cantavam Linkin Park, num inglês como só as crianças de seis anos o sabem inventar.
E um “Overkill”, cantada por Colin Hay, numa versão acústica dos Men at Work. Que a perseguia a Ela durante os dias que se seguiam, a cantarolar a melodia dentro da cabeça, sem saber porquê, à procura do sentido da música. O desconforto sentido de quem não gosta do género musical, mas que não consegue evitar a atracção. Uma mariposa na luz do candeeiro...
No Quintal do Zé, o jantar cúmplice de amigos de longa data, a evitarem a conversa sobre o que tinha acontecido, a contornarem o assunto. Os Miúdos a brincarem, numa nova felicidade descoberta e alinhavada por eles. A sobreviverem à catástrofe, como só as crianças de seis anos o sabem fazer.
A viagem de regresso. Os Miúdos a tombarem de imediato no banco de trás. O cansaço da brincadeira, mil e uma vezes inventada, a vencerem os monstros que existem debaixo da cama. A dormirem um sono solto, em silêncio. E uma playlist a emudecer diálogos, a apagar a conversa. Num grito silencioso, Ele a dizer que combatiam os fantasmas outro dia. Ela, no silêncio gritante da música a desejar que a viagem chegasse ao fim. E um “Overkill”, a persegui-la nos dias que se seguiam. A desejar aniquilar a mariposa...
Um dia, Ela foi à descoberta do sentido do desconforto. Numa playlist que lhe dizia pouco, uma música que a incomodava. Enfrentou os fantasmas e evocou as artes mágicas que expulsam os monstros para reinos distantes. Queimou as asas... Olhou para a música e decifrou-lhe a letra: Overkill - an excess of what is necessary or appropriate for a particular end. E entendeu…
A rotina da viagem até ao Quintal do Zé. Imposta pelos Miúdos. A Miúda, filha dela, a procurar num seu igual o irmão que não tinha, porque os pais se tinham separado precocemente. O Miúdo, filho dele, a preencher com Ela o lugar vazio do pendura. A procurar a mãe que tinha partido recentemente, numa viagem dolorosa e inesperada, sem regresso. A Morte, um monstro debaixo da cama, a ser silenciada num grito ensurdecedor, como só duas crianças de seis anos o sabem fazer...
Maktub

domingo, 26 de abril de 2009

Juke revolucionária II

Roubei esta canção e este vídeo do blog de um amigo (http://poesia-incompleta.blogspot.com/2009/04/ate-segunda.html), que ontem, dia 25 de Abril de 2009, a usou como despedida, num " até segunda." ...
Ouvi e vi e fiquei boquiaberta, como já me tinha acontecido com outras canções do Gabriel. Num dia em comemoramos uma revolução que já merecia tantas outras em cima...
Um outro amigo ao comentar o meu post de ontem com as duas canções que serviram de senha à Revolução de 25 de Abril de 1974, dizia "venham mais canções revolucionárias, precisamos delas". Aqui está uma, de muitas.

Como alguém disse:

" All I got is a red guitar, 3 chords, and the truth. All I got is a red guitar, the rest is up to you".

Há quem ande a cumprir a sua missão. Haja quem ouça, entenda e aja.




Não adianta olhar pro céu com muita fé e pouca luta
Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer e muita greve
Você pode e você deve, pode crer
Não adianta olhar pro chão, virar a cara pra não ver
Se liga aí que te botaram numa cruz e só porque Jesus sofreu
Num quer dizer que você tenha que sofrer

Até quando você vai ficar usando rédea
Rindo da própria tragédia?
Até quando você vai ficar usando rédea
Pobre, rico ou classe média?
Até quando você vai levar cascudo mudo?
Muda, muda essa postura
Até quando você vai ficando mudo?
Muda que o medo é um modo de fazer censura

(Refrão)
Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ficar sem fazer nada?
Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ser saco de pancada?

(Repete refrão)

Você tenta ser feliz, não vê que é deprimente
Seu filho sem escola, seu velho tá sem dente
Você tenta ser contente, não vê que é revoltante
Você tá sem emprego e sua filha tá gestante
Você se faz de surdo, não vê que é absurdo
Você que é inocente foi preso em flagrante
É tudo flagrante
É tudo flagrante

(Refrão x2)

A polícia matou o estudante
Falou que era bandido, chamou de traficante
A justiça prendeu o pé-rapado
Soltou o deputado e absolveu os PM's de Vigário

(Refrão x2)

A polícia só existe pra manter você na lei
Lei do silêncio, lei do mais fraco:
Ou aceita ser um saco de pancada ou vai pro saco

A programação existe pra manter você na frente
Na frente da TV, que é pra te entreter
Que pra você não ver que programado é você

Acordo num tenho trabalho, procuro trabalho, quero trabalhar
O cara me pede diploma, num tenho diploma, num pude estudar
E querem que eu seja educado, que eu ande arrumado que eu saiba falar
Aquilo que o mundo me pede não é o que o mundo me dá

Consigo emprego, começo o emprego, me mato de tanto ralar
Acordo bem cedo, não tenho sossego nem tempo pra raciocinar
Não peço arrego mas na hora que chego só fico no mesmo lugar
Brinquedo que o filho me pede num tenho dinheiro pra dar

Escola, esmola
Favela, cadeia
Sem terra, enterra
Sem renda, se renda. Não, não

(Refrão x2)

Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente
A gente muda o mundo na mudança da mente
E quando a mente muda a gente anda pra frente
E quando a gente manda ninguém manda na gente

Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura
Na mudança de postura a gente fica mais seguro
Na mudança do presente a gente molda o futuro


(Refrão)

PS - obrigada aos dois amigos, um de sempre e outro recente. Quem tem amigos tem tudo!

sábado, 25 de abril de 2009

Juke revolucionária

A escolha de canções como senhas de uma revolução em progresso diz muito sobre o povo que somos.

25 de Abril Sempre! Fascismo nunca mais!



1ª Senha



2ª Senha

sexta-feira, 24 de abril de 2009

E porque jukeboxes há muitas... Góticos ao ataque!

"A atmosfera é realmente maléfica, mas você sente-se à vontade dentro dela". (comentário de Bernard Summer, guitarrista da banda Joy Division, sobre o filme “Nosferatu”, gerou a definição que muitos consideram a mais concisa do assunto.)




O vento agitava as copas das árvores, despojando-as das poucas folhas que ainda resistiam ao crepúsculo outonal. Uma após outra, que se lhe juntava, iam aglomerando-se num leito castanho que atapetava o solo empapado pela chuva e pelo orvalho.
Chegara cedo, acompanhada pelos primeiros raios de sol, tímidos, encobertos, frágeis… Deteve-se por instantes ante o portão de ferro, aberto, fixo ao velho muro de pedra coberto de musgo. Dirigiu o seu olhar para vereda que se que se estendia à sua frente, ladeada por ciprestes, antes de iniciar a sua marcha processional.
E o vento soprou um bafo gélido.
Trazia um manto de veludo com o capuz sobre a cabeça que a cobria de negro e a tornava numa visão espectral.
O seu percurso era acompanhado por estátuas de pedra que vertiam lágrimas. Algumas, prostradas, num desfalecimento de dor sobre lajes frias e esquecidas entre a vegetação densa. Figuras ajoelhadas em pranto. Anjos que erguiam as asas aos céus e os apontavam, sugerindo um caminho para uma salvação que talvez fosse demasiado tarde para alcançar.
Todos eles, mais do que guardar alguém ou para além de lamentar, estavam ali para lembrar aos que passavam: Siste Viator! - Aspice Viator! (Detém-te Viajante - Olha Viajante).
E o vento era um lamento murmurado por entre as árvores.
Chegava ao final do seu caminho, junto a uma laje de mármore, despida, sobre a qual jazia unicamente uma pequena jarra de alabastro onde depositou delicadamente uma rosa, que segurava entre os dedos finos. E esse gesto revelou um braço alvo e uma pele suave e marfinosa. Em seguida, levou as mãos ao capuz e puxando delicadamente para as costas, revelou uns longos cabelos negros, que o vento se apressou a acariciar. E duas lagoas profundas de onde transbordaram lágrimas de saudade, descrevendo o contorno do rosto, deixando atrás de si um sulco bem menos profundo que o provocado pelo desgosto atroz que lhe tinha desfigurado o coração.
E o vento sussurrou uma elegia que falava de duas almas separadas na Sorte.
Olhou o céu cinzento, procurando o caminho da salvação de uma alma que ela desejava salva e a quem ansiava reunir-se na Eternidade. Que nunca mais a Senhora Negra a voltasse a apartar daqueles braços que um dia a haviam confortado. E recordando, ajoelhou-se num pranto mudo e sufocante, e apoiou a fronte na pedra fria, imaginando-a naquela onde tanta vez a tinha encostado com doçura. Depois beijou-a, colando-lhe os seus lábios carmesim, invocando em si doçura e o calor que agora não encontrava.
Quando de repente, num gesto súbito, a ferro frio traçou a linha do seu próprio destino, tomando-o no pulso.
E ficou ali, prostrada sobre aquele esquife de dor e saudade, decidida a unir-se a quem desejava que terra fosse leve. Petrificada naquele abraço, confundia-se com as demais imagens inertes que velavam os seus.
E o vento gritou… e depois…tornou-se uma brisa…

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Está tudo doido?



Aqui estou eu a escrevinhar no teclado. A escrever e a publicar na blogoesfera. A falar com os amigos no msn, no gtalk. Excelente, uma maravilha tecnológica. Falo todos os dias com pessoas de quem gosto e que estão longe. Até aí, tudo bem. Podemos partilhar pensamentos, imagens, filmes, música, sentimentos. Enganar a distância, enganar a solidão. Até aí, tudo bem. Mas quando os amigos que vivem a poucos quilómetros passam a "amigos da net", ao ponto de lhes estranharmos a voz quando nos telefonam, algo começa a não estar tão bem.
A amizade, o amor pelo outro, vingam quando passados os encantos iniciais, as pessoas não se limitam a suportar-se, tirando prazer da proximidade ao outro. Ora eu começo a achar que a maioria dos meus amigos se estão lentamente a tornar em amigos imaginários. Imagino-lhes a voz, a expressão, os pensamentos. Porque aqui somos todos personagens, podemos brincar aos teatros, arriscar como nunca seria possível num contacto "face a face". Perpetuamos a tal fase inicial do encanto, do imaginar o outro. Fazemos e desfazemos sem consequência, protegidos atrás de um teclado.
Apesar de todas as vantagens, tudo isto me assusta ( e no entanto, aqui ando...). Para onde nos leva esta desumanização das relações humanas?
Está tudo doido?

domingo, 12 de abril de 2009

Era uma vez



Escapámos da cidade por uns dias. Cabeças a transbordar problemas, angústias e incertezas. Lixo, basicamente. A casa antiga, plantada num lugar rodeado de verde e de água, que corre forte e límpida. O tempo lentamente a estender-se, a esticar-se à medida que íamos largando o "lixo" que trazíamos. As noites em redor da lareira da cozinha, coração e alma da casa. Noites longas, música e palavra, olhos perdidos no fogo, nas formas fantasmagóricas das chamas, nas figuras esculpidas nas brasas. E o tempo a estender-se, a esticar-se, deixando-nos ir mais fundo, para lá da superfície confusa das nossas vidas. Regressámos a nós e as respostas estavam todas lá.
Era uma vez...

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O meteorito



As mudanças surgem basicamente de duas formas. Ou somos nós que as provocamos, e aí temos algum tempo para ensaiar, ou não temos qualquer parte activa no processo e caem-nos em cima como um meteorito. Num piscar de olhos, a vida como a entendemos é devastada. E ali ficamos, queixo caído perante a total e completa calamidade. Pensamos por momentos que é o fim, mas rapidamente percebemos que estamos bem vivos.
Porque dói!
Choramos, gritamos, descabelamo-nos. Mantém-se a calamidade e continua a doer. E continuamos vivos. Mais vale viver, assim sendo. Enxugamos as lágrimas e seguimos. Um dia após o outro. Horas que não passam, piadas sem graça, comida sem tempero. Tudo sabe a nada. Existimos, ocupamos espaço, cumprimos. Nada mais. O espectáculo tem que continuar por isso mascaramo-nos de sorrisos e usamos todos os truques que temos na manga. Não para ganhar, apenas para permanecer em jogo. Desistir continua a ser uma hipótese mas começamos a sentir que não vai acontecer assim, o desfecho não será esse. De outra forma teríamos certamente morrido.
A luz ao fundo do túnel, uma réstia de energia. Juntamos-lhe uma porção da raiva e frustração por termos sido vítimas de algo incontrolável, uma pitada de orgulho, um restinho de amor próprio, um pouco de fé num destino maior e, voilá! O princípio da força para recomeçar.
Começamos a ter saudades do futuro. Descobrimos insignificâncias essenciais, recebemos de volta o nosso sorriso genuíno. O mundo retribui a atenção e presenteia-nos com promessas de felicidade. Ganhamos cor e solidez.
Afinal o meteorito não era assim tão grande. Nem sei se seria mesmo um meteorito... talvez uma pedra... pequenita.

Para uma companheira de savana

quarta-feira, 1 de abril de 2009

À Solta



De férias em Lisboa, o destino diário era a Costa da Caparica. Pequenos grupos que se juntavam a outros pequenos grupos até se tornarem num enorme grupo de adolescentes à solta na praia. Os do surf, os da bola à beira-mar, os das raquetes, os que permaneciam vestidos e pálidos na sombra. Os banhos que duravam horas, as conversas que se estendiam vagarosas até ao por do sol. Velhos e novos amigos davam novos mundos aos nossos mundos, enquanto a teia social se tornava mais densa e complexa. O sol, o mar e a areia tornavam tudo mais intenso, belo e com cheiro de liberdade. Acertavam-se combinações para a noite que chegava:
- Vamos onde?
- Vais com quem?
Só abandonávamos a praia quando o último raio de sol desaparecia no horizonte. Os corpos quentes, o sal e areia a picar por debaixo da roupa. A energia tranquila de um dia que se cumpriu e a adrenalina da noite por acontecer. Andávamos à solta e nada podia ser melhor. Lembro-me de ouvir esta música dos Maiden no regresso a Lisboa, num carro apinhado e com o vento a bater-me na cara. Hoje ouvi-a na rádio e soltaram-se estas memórias como ondas. Tenho a sorte de não saber até hoje o que são "wasted years".