quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Tesouros



Sempre tive muitos amigos. Mantenho amizades que já levam décadas mas a lista continua a aumentar. Hoje dei comigo a pensar nas razões, se é que existem, que nos levam a manter com alguém uma relação tão complexa e essencial como é para mim a amizade.
Para início de conversa estas coisas dos sentimentos parecem não ter razões, motivos explicáveis, plausíveis de ser tratados de forma racional (as tais razões que a razão desconhece). Mas mesmo dentro da irracionalidade das emoções, acontecem coisas mais “explicáveis” que outras. Se pegar nos meus amigos e nas características de cada uma dessas amizades, umas surgem como óbvias, outras parecem estranhas e despropositadas. Aparentemente tudo me distancia daquele outro. Aparentemente.
Gostarmos de alguém que nos desafia revelando-se o nosso contrário é, sem dúvida, uma aventura perigosa. Mas as amizades, quando não forçadas pela convivência quotidiana, tal como as relações amorosas livres de regras comuns, tornam-se espaçosas e logo, aguentam melhor a pressão. A pressão que vem de dentro e também a que vem de fora. Afinal, “diz-me com quem andas dir-te-ei quem és”.
A verdade é que todas as diferenças podem ser apagadas com um único ponto de união. Uma faísca solitária e poderosa que nos prende, nos encanta e nos liga (para sempre ou não, dependendo do impacto) ao outro. A força destas relações reside justamente nisto. Na força imensurável de um pormenor inesperado que, num segundo, nos põe em causa e muda tudo. Somos obrigados a rever toda a matéria à medida que as contradições se avolumam e nos sufocam. Mas quando deixamos de racionalizar e nos entregarmos à intuição, tudo funciona.
Se nas relações amorosas a sofreguidão dá normalmente lugar à frustração, tipo - “ I can’t live, with or without you”-, na amizade (cuja velocidade cruzeiro permite outras manobras) a probabilidade de sucesso e durabilidade aumenta. Apesar disso, nunca é fácil nem pacifico. No fundo é como se déssemos cara e corpo às nossas mais íntimas contradições. E é aí que surge a revelação. Do confronto à resolução. No meio da guerra, a chave do tesouro.
Sou guardiã de alguns tesouros. Esta vai directamente para um deles. Uma música que me lembra aquele momento em que o fim da noite e o início do dia se tocam numa harmonia (aparentemente) impossível.

Um comentário:

Unknown disse...

Minha Querida, estou de acordo contigo. Mas para se ser guardiã ou guardião é preciso ser muito especial! És, sem dúvida, a pessoa que conheço que investe mais nas suas relações com os outros, a começar pela forma como te entregas, pela tua franqueza e frontalidade. Isso é a semente que plantas nos outros e que faz com que todos queiram partilhar a tua atenção e amizade. É muito raro termos a hipotese de nos olharmos ao espelho sem distorções...