sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Crush



Estava cansada, com frio e com fome. Tudo era novo e estranho. Tinha dito adeus a Lisboa, às minhas dores urbanas e apostava tudo naquela nova vida, no campo. Os fantasmas da "outra vida" agarravam-se desesperadamente a mim e murmuravam-me ao ouvido: " não nos deixes! somos teus, somos tu!". Nascer outra vez nunca é fácil.
Estacionei o Panda à entrada da quinta. As cadelas e o gato vieram, como sempre, dar-me as boas-vindas. Cheirava a peixe assado. O casal tinha visitas. Dois homens. Pensei imeditamente recusar o convite que me iria ser feito para comer com eles. Apesar da fome, não me sentia com forças para socializar. Mas a postura maternal da jovem mulher era desarmante, sobretudo para quem se sentia estranha entre estranhos. "Estás tão pálida! Temos peixe de Setúbal, é fresquinho! Come connosco, vê-se mesmo que precisas de uma boa refeição!". Cedi sem grande resistência mas sem grande convicção. Fui apresentada aos dois homens, mas não lhes prestei grande atenção. Estava decidida a comer rapidamente para me ir refugiar no meu quarto. Sentei-me na mesa ao lado de um deles, de frente para o casal. O outro conversava de pé enquanto vigiava o peixe na grelha.
Não me lembro dos temas, mas sei que, pouco a pouco, soltei-me e fui participando das conversas. O homem ao meu lado era primo da jovem mulher. Tinha olhos claros e conversou comigo como se nos conhecessemos há muito tempo. Habitualmente teria atribuído enorme importância a esse facto, mas o corpo moído e a cabeça viajante não me deixavam viver aquele momento. Só conseguia antecipar a minha retirada para o quarto.
Quando finalmente me atirei para cima da cama e desliguei a luz a imagem daquele homem de olhos claros surgiu nos meus olhos fechados. Tentei apagá-la, concentrei-me noutros pensamentos. Sem qualquer sucesso. A imagem permanecia nos meus olhos fechados. Era tão nítida que podia percorrê-la, descobrindo todos os pormenores que não havia percebido durante o jantar. Era um homem muito bonito, mas mais que isso, era-me familiar de alguma forma ainda inexplicável. Enigmas masculinos são tudo o que não preciso neste momento, pensei. Mas até adormecer, e talvez mesmo durante o sono, a imagem do homem dos olhos claros permaneceu nos meus olhos fechados.
No dia seguinte, acordei cedo e os fantasmas da "outra vida" não vieram dar-me os bons dias. Da cozinha chegavam-me os primeiros acordes do "Crush" dos Dave Mathews Band e o cheiro a café acabado de fazer.
Fechei os olhos e a imagem do homem dos olhos claros sorriu-me.

2 comentários:

Márcia disse...

Que história bonita... senti de imediato que esta história também podia ser minha :) e desejei que pudesse ser de toda a gente.
É uma história cheia de luz, cheia de esperança.
Haja desejo e a vida pode mudar!
Grande beijo

La Payita disse...

Apá miga! Um amôrrr tã grrande e prrefundee, tinha de terr começade cum peixinho aqui da prraça...

Mazás vezes é cá dum emperramentee!!!!... Apá sóices! Tante tempe dus yoguis e da aprrenderrem nadã? Ooolhã... O Ying prra cá, o Yang prra lá... Vão mazé fazerre o b'scoite... Ósenão ficus nerrvees ódeforra e dou-vo'zuma tarreia que fiquem 15 dias a cagarr trramôce...

E a musican? Ooolhã... Apá! Cando ê erra gajinha já ouvia isse dos bailes da Caprriche!!! Qué isseee???

(Quanto mais os anos passam, mais me convenço que o charroco é, definitivamente!, a linguagem do amor! ihihih)

Besitos, LP.